A distância dói, não é?
Não é novidade que todos queremos as coisas boas e queremos fazer o mínimo esforço possível para obtê-las, queremos prazer sem dores, queremos as recompensas. Os humanos são criaturas racionais movidas por interesses pessoais, mas seria essa a única motivação que temos? Também podemos jogar coletivamente, prezar pelo grupo e cuidar dos outros?
Do ponto de vista cerebral, uma estrutura chamada Núcleo Accumbens trabalha com as ideias de recompensa e prazer. Se eu estou diante de uma situação e existe uma oportunidade de recompensa, o núcleo accumbens atua no processo de decisão, pesando pela tendência em agarrar a oportunidade/recompensa pessoal, de acordo com os resultados obtidos e com o repertório de experiencias anteriores associadas ao prazer.
A ideia da recompensa, ou de atender a um prazer, possui grande força no comportamento porque a liberação de dopamina no sistema emocional, tem ação inibitória no córtex pré-frontal (região de controle cognitivo dos impulsos) aí prevalece o desejo, o impulso. É por isso que não importa qual seja a dieta, no final de semana merecemos enfiar o pé na jaca, não é mesmo? Acontece que, pesar de haver uma tendência natural em ceder ao benefício individual a conexão social é uma necessidade básica tão essencial quanto a comida e a água.
Em todos os mamíferos, os bebês afastados de suas mães, choram porque vivem os primeiros anos de vida como um período de imaturidade mais prolongado, e não conseguem se virar sozinhos. Isso não acontece com as aves e répteis, por exemplo, que nascem sabendo caçar, se proteger, etc. O que explica que em nossos cérebros a necessidade da conexão social é uma resposta evolutiva para a humanidade colaborar e construir. É uma segurança e inteligência do cérebro para nos manter socialmente conectados e, por isso mesmo, nos fortalecer enquanto espécie. Como resultado da conexão social está o prazer social – sentimento de recompensa vindo das conexões (sentimento de aceitação, amor, compreensão, valorização, cuidado) em contraste ao sentimento ruim que a desconexão ou sua ameaça, geram. O seu cérebro ama descobrir que você é amado.
Em tempos de isolamento social a distância pode doer, e muito. E o mais interessante é que utilizamos a mesma linguagem da dor física para descrever a dor emocional sempre que alguém “quebrou meu coração”, “bateu no meu ego” ou “perfurou meus sentimentos”, isso porque se descobriu uma relação entre a dor gerada pela desconexão social e a dor física através dos estudos sobre o Córtex Cingulado Anterior (parte do cérebro responsável pelo gerenciamento da dor física).
Nos anos 80 experimentos feitos com macacos, comprovaram que uma vez separados do bando, eles tinham um tipo específico de choro e lamento. Nos macacos que foram feitas remoções cirúrgicas no córtex cingulado anterior (região responsável pelo gerenciamento da dor física), eles não apresentavam mais o mesmo choro. Nos anos dois mil, começaram esses experimentos em humanos em ressonâncias magnéticas com o objetivo de estudar o funcionamento do cérebro, a sua atividade diante de algum estímulo. Nos humanos, mostrava para a pessoa no scanner um jogo interativo de bola com as mãos, a terceira pessoa era o sujeito e podia fazer as ações de apertar dois botões (receber a bola e passar para o colega), depois de alguns minutos, o jogo continuava apenas jogando a bola entre os outros dois avatares do game, sem passar a bola para o avatar do usuário. Ao sair do experimento, algumas pessoas relatam seu depoimento gravado e muitas delas extremamente chateadas/estressadas ou deprimidas. A nível de atividade cerebral, a função ativada foi exatamente a mesma da dor física e já que algumas pessoas sentiram mais do que outras, quanto maior a dor social, maior a ativação da região.
Quando pensamos quem somos nós, avaliamos que somos criaturas materialistas e movidas por interesses pessoais mas também carregamos um senso de responsabilidade com o social através do sentir a dor e o prazer social tanto quanto as dores e prazeres físicos. Se teve uma coisa que a COVID-19 deixou claro foi que a distância realmente dói.